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SOB OS OLHARES ATENTOS DE UMA SOCIEDADE GLOBAL

Artigos Assinados | Coluna Ibá | 01.12.2021




Como comentou António Guterres, secretário-geral
da ONU, antes da abertura da COP-26, em
Glasgow, “Sem ação decisiva, estamos jogando com
nossa última oportunidade de, literalmente, inverter
a maré”. Não se trata de alarmismo, mas do reflexo de um
planeta que dá mostras de estar chegando ao seu limite. Vidas
humanas estão ameaçadas com os impactos da emergência climática.
Milhares deixam suas casas, depois de devastadas por intempéries
ou inundações, devido ao aumento dos níveis das águas
ou de outras inclemências resultantes da mudança do clima.
Foi com o senso de urgência que chefes de Estados, de
Governos e outras autoridades de 200 países se reuniram em
Glasgow para as negociações da COP-26. A estas lideranças,
se juntaram a sociedade civil e organizações privadas em uma
verdadeira concertação pelo clima. Cerca de 30 mil pessoas lá
estavam em busca de caminhos possíveis para um futuro sustentável
do planeta.
A pandemia da Covid-19 acabou, de uma maneira indireta,
acelerando tendências e intensificando preocupações. A pandemia
escancarou a conexão entre disfuncionalidade ambiental,
do clima e da biodiversidade no planeta, bem como os riscos
que essa desordem sistêmica pode causar em termos, por exemplo,
da saúde pública. Embora a lógica e o ritmo das negociações
sejam mais lentos do que o desejado pelas ruas, já que todos os
países devem ser ouvidos, a realidade é que Glasgow não foi o
fracasso que os mais céticos chegaram a projetar. Ao contrário,
é necessário reconhecer avanços, em uma trajetória que, pela
complexidade de seus desafios, se desenrola por meio de progressos
cumulativos, por vezes mais modestos do que recomendaria
o sentimento de emergência climática.
Desde, sobretudo a Rio-92, Conferência da ONU sobre
Desenvolvimento e Meio Ambiente, essas grandes reuniões das
partes, as COPs, nas Convenções do Clima e da Biodiversidade,
acabaram se tornando mega eventos planetários, que acontecem
em duas dimensões concomitantes. De um lado, as negociações
diplomáticas propriamente ditas, em que as Partes são os Estados
Nacionais, os membros das Nações Unidas. Do outro lado,
aos milhares, fora e do evento paralelo local do evento oficial,
uma representação social especialmente vibrante, engajada, diversa
e representativa. É nesta segunda dimensão que, na verdade,
influencia e pressiona os negociadores oficiais, que estão
presentes como lideranças e instituições da sociedade civil,
ONGs e outros movimentos sociais, o setor privado, governos
subnacionais, a academia e a ciência. É dessa dialética, estridentemente
alimentada pela mídia, que nasce tanto os impasses
quanto os avanços. No caso de Glasgow, antecedido por elevadas
expectativas e também por percebidos riscos de frustrações,
ao final do exercício negociador, alguns avanços importantes
acabariam sendo concretizados, como foi o caso da conclusão
das negociações do artigo 6 do Acordo de Paris, justamente o
qual estabelece um mercado global regulado de créditos de carbono
– desfecho que se mostrou inviável desde a COP de Paris,
em 2015, até a de Madrid, em 2019.
Cabe o registro de que a iniciativa privada parece ter tomado
plena consciência de seu papel decisivo nesta agenda tão estratégica.
Ao contrário da percepção de anos atrás, a agenda da
sustentabilidade não é tema apenas para cientistas, diplomatas e
ambientalistas. Parece ter finalmente caído a ficha de que o desafio
afeta a cada um de nós, agora, com uma gravidade já dramática,
e mais ainda no futuro, pondo em risco as gerações vindouras.
Esta é uma questão para ser debatida por gente capaz.
Diante da baixa expectativa que precede a chegada do Brasil
a Glasgow, há que se reconhecer que nossa delegação oficial
fez movimentos, nos primeiros dias da COP-26, que foram surpreendentes.
Antecipou para o ano de 2050 a meta de neutralidade
de carbono para a economia brasileira, tal como prevista
na NDC, assim como antecipou metas intermediárias, como o
fim do desmatamento ilegal, sobretudo na Amazônia, que passou
para 2028, em vez de 2030. Ademais, assinou a Declaração
Global de Florestas e também a iniciativa pela redução de
emissões de gás metano. Com aqueles primeiros movimentos,
pode-se afirmar que foi possível estancar, ainda que momentaneamente,
parte do desgaste de imagem que mina a credibilidade
negociadora do Brasil naquela agenda. Com isso, reconquistou-
se algum espaço de protagonismo, que foi útil para os
movimentos que o Brasil faria na etapa final das negociações.
Evidentemente, tal espaço será ampliado ou reduzido conforme
o Brasil possa mostrar ao mundo, doravante, sua capacidade
efetiva de cumprir os compromissos assumidos.
Cabe observar que o setor de base florestal esteve muito bem
representado em Glasgow, com sua maior delegação de todas
as COPs. Walter Schalka liderou pessoalmente a equipe da
Suzano, enquanto Cristiano Teixeira encabeçava o time da Klabin;
a Eldorado também esteve representada, por meio de seu
diretor Rodrigo Libaber. Definitivamente, a agenda do clima, da
sustentabilidade e do ESG foi promovida e chegou aos mais elevados
escalões decisórios das empresas, entrando na pauta dos
CEOs, dos diretores e dos respectivos Conselhos.
O saldo geral da COP-26 pode ser considerado positivo.
Os textos aprovados certamente ainda não encerram desafios
e limitações, poderiam ser mais ambiciosos e se mostrarem
à altura da crise climática que já nos aflige. Contudo, a
verdade é que foram registrados avanços que sinalizam para
o futuro dessa trajetória. Os principais países estão mais ambiciosos
rumo a uma economia net-zero até 2050, à exceção da
China e da Índia, ainda comprometidas com metas temporais
mais distantes; limite médio máximo de temperatura em 1,5 ºC,
como objetivo declarado, tendo como base a temperatura media
do planeta no período pré-industrial; esforço em ações
de financiamento a países em desenvolvimento; restrições a
subsídios a combustíveis fósseis, especialmente ao carvão mineral,
dentre outras medidas. Em relação ao Artigo 6, item famoso
do Livro de Regras do Acordo de Paris, foi aprovado e
regula dois tipos de instrumentos de mercado de carbono em
nível multilateral: Artigo 6.2, que trata do comércio de carbono
entre países, em nível agregado/governamental; e Artigo 6.4,
que sucede ao MDL do Protocolo de Quioto, como mecanismo
baseado em projetos diretamente desenvolvidos por agentes
econômicos do setor privado.
As duas semanas trouxeram passos importantes, mas são necessários
que se mantenham constância e persistência para que
os objetivos sejam atingidos. Muitas das decisões aprovadas em
Glasgow ainda demandarão regulamentação cuidadosa, antes
de ganharem o mundo operacional.
O Brasil tem uma lição de casa desafiadora. Os mesmos
países que admiraram o retorno a uma atitude um pouco mais
proativa do Brasil são aqueles que cobrarão resultados, a serem
verificados por métricas confiáveis. Temos um desafio enorme a
ser endereçado, que é o do desmatamento ilegal, especialmente
na região amazônica. Se Glasgow recolocou o Brasil em condições
de recuperar o papel de alguma liderança nos debates ambientais,
são as ações daqui por diante que dirão se voltaremos,
de fato, para o grande jogo. Trata-se de um novo momento, que
abre enormes janelas de oportunidades a uma nação rica em sua
biodiversidade e em seu conhecimento científico. Cabe a nós
agirmos para sair, de vez, da sombra neste mundo que está se renovando.
O Brasil é potência agroambiental inescapável e precisa
fazer valer este seu peso de influência, o que já conquistou em
termos de transição energética e de perspectivas de construção
de uma economia de baixo carbono. Então, mãos à obra!